quarta-feira, 28 de novembro de 2012

UM PORTO SEGURO PARA O RIO DE JANEIRO... A NAU ESTÁ NA NÓIA



QUEM PAGARÁ ESSA CONTA?

Tania Loos1



O Governo Municipal anunciou a intenção de pagar “bolsa crack”, com valores que variarão entre R$350,00 e R$ 900.00, para famílias de usuários da substância que estão em internamento compulsório, com o objetivo de serem cuidados no seio da família quando tiveram alta (?). (Fonte: Jornal EXTRA, 16NOV2012, Caderno CIDADE, p.5)
Fico assustada com tanta ignorância no meio político, ou melhor, em nosso meio, pois vejo surgirem alguns defensores tanto da internação compulsória como da tal bolsa que beneficia e estimula a propagação da dependência. Já que sabemos que a recaída é previsível o que fazer? Aumentar o valor do benefício? Continuar “jogando” esses jovens em quais espaços? São espaços adequados ao acolhimento, tratamento e reinserção social de quem já perdeu tudo? – inclusive a dignidade.
Que tipo de família, ou pessoas com laços parentais, será responsável pelo recebimento da bolsa crack?
A lógica do meu questionamento está fundamentada num caso real, vivido por mim num de meus plantões no HGB...
Ano 2008, plantão noturno no HGB, emergência, não existia “classificação de risco”, superlotação e todos os demais problemas enfrentados pela equipe... Eis que atendo na sala de medicação um menino, devia ter uns 13 ou 14 anos, apesar de sua estatura forte a queixa principal era dor de dente; atendido pelo médico plantonista cabia a eu aplicar uma injeção de dipirona IM... Sempre tive mania de conversar com meus pacientes, e brincando com ele consegui que, mesmo com a dor que sentia, o jovem me desse um sorriso... me assustei! Os dentes que, naquela idade, e, considerando ser um menino de aparência forte, estavam em péssimas condições, quebrados, escurecidos, a boca em todo seu contorno com marcas que o transformavam em um ser humano de dar dó. Resolvi aplicar meus conhecimentos em Intervenção Breve e detectei , ou seja, confirmei, o uso de crack. Isso mesmo, a dor de dente era proveniente do uso continuado da droga e não tínhamos dentista naquele plantão.
Pedi que ele esperasse e procurei o médico que fez o atendimento, a fim de dar ciência e buscarmos em conjunto a melhor solução para o problema que nos era apresentado e a oportunidade de aproveitarmos aquele momento de dor e quiçá fazermos o menino e a mãe compreenderem a importância de levar a termo o tratamento. O médico não queria se envolver, temia por trabalharmos tão próximos às comunidades, apenas ampliou o receituário, demandando agora uma injeção de dipirona via venosa e um voltaren IM.
Convencida de que poderia reverter aquele quadro de caos, apliquei a primeira medicação, expliquei que tudo seria apenas paliativo e que a dor voltaria... utilizando-me dos recursos da intervenção breve continuei os questionamentos e descobri que aquele jovem era usuário há cerca de 8 meses, que queimava as pedras diariamente. Perguntei, então, se ele queria ajuda e se a mãe tinha conhecimento, me propus a ajudá-lo a contar para sua mãe e a encontrar local para tratamento. O menino baixou a cabeça e ficou em silêncio; após aplicar a segunda medicação, as respostas vieram com maior confiança: “Tia, não consigo mais parar... minha mãe sabe... e ela queima pedras junto comigo e meu padrasto...”. O dever profissional me fez ouvinte passiva, pois não poderia, sem uma estrutura que me desse suporte, prosseguir a abordagem... Confesso que me senti impotente...
O caso é real e serve para que todos nós possamos entender a dinâmica do que acontecerá caso essa “bestialidade” seja aprovada. Para que tipo de família estarão transferindo a bolsa crack? R$ 900,00 nas mãos de uma mãe como essa nos causa indignação, pois sabemos bem quais as possibilidades de despesas com a droga, aumentarão significativamente o consumo “em família” e, ainda, seremos nós que pagaremos essa conta, concordam?

1 Pedagoga, Educadora Social e ex-funcionária do setor de emergência do HGB/Ministério da Saúde.

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