domingo, 18 de julho de 2010

MEMÓRIA CURTA???

Disponível no site www.inverso.org.br

Manicômio Judiciário
Antidoping nos filhos
O Dia online (RJ)

07 de outubro de 2007

Programa para prevenir uso de drogas exibe vídeo polêmico

Gustavo de Almeida

Rio - A escolha de vídeo americano que sugere antidoping para manter os filhos longe das drogas, apresentado a 700 moradores de comunidades carentes do Rio, está causando polêmica. Produzido pelo programa norte-americano Dare e distribuído pela Narcotics Affairs Section, do Departamento de Estado dos EUA, o vídeo tem trecho em que a mãe de viciado morto por overdose recomenda três vezes: “Pais não podem deixar de fazer antidoping nos filhos”.

Especialistas são contra a medida. A discussão está fazendo o governo rever o assunto. O tenente-coronel Eraldo Viegas, coordenador nacional do Departamento de Políticas, Programas e Projetos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, diz que “será formado grupo de trabalho esta semana para readaptar o material”.

Dia 5 de setembro, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) emitiu parecer criticando o material didático da NAV usado no Rio durante o Pan — incluindo o vídeo. “Fora da realidade brasileira” é a frase que resume o conteúdo do documento.

Apesar do parecer tão recente, a major Claudete Lenkuhl, da PM de Santa Catarina, responsável pela exibição, afirmou que o vídeo já deixou de ser usado. Ela diz que o material “só foi exibido na primeira fase do programa e substituído”. As palestras foram no Andaraí, Realengo, Pechincha e Centro. Ao todo, 30 PMs de vários estados aplicaram o programa e mostraram o vídeo.

NA INTERNET

Além de sugerir exames antidoping, há erros de português e informações divulgadas que levantam mais polêmicas ainda, como a de que é possível aprender a fabricar determinadas drogas pela Internet. O material didático foi fornecido pela funcionária brasileira da embaixada americana em Brasília Maria Eunice Abdanur. Ela recebeu Medalha dos 170 Anos da PM de Santa Catarina em 2005. A major Claudete conta que o material é dado por ONG de policiais norte-americanos que trabalha em mais de 50 países.

No vídeo exibido a pais de comunidades carentes, famílias americanas ricas, moradoras de mansões, exibem dia-a-dia distante da realidade de brasileiros que assistiram. O tenente-coronel Eraldo Viegas, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, diz que o programa aplicado no Pan não é de responsabilidade da Senasp e sim do grupo de trabalho. E adverte: “Na próxima semana faremos grande reunião para rever as cartilhas e adequar à realidade brasileira, inclusive revendo o antidoping. Quem não se adequar à padronização não terá verbas da Senasp para programas de prevenção às drogas”. Apesar das afirmações da major Claudete de que o vídeo é assunto superado, Viegas ressalta a urgência em adequar logo o material.

A capitã Tânia Loos, do programa antidrogas da PM do Rio, lembra que o programa foi rejeitado pela corporação fluminense. “Desde 2004 venho apontando os problemas, os erros e as excessivas referências americanas”, declara Loos.

As opiniões de mães que perderam seus filhos para as drogas divergem. A dona-de-casa Maria Fernanda (nome fictício) só descobriu que o filho fumava maconha quando ele morreu, vítima de bala perdida, durante confronto entre policiais e traficantes da favela onde comprava drogas. Ela defende que, se o antidoping for encarado como medida educativa, pode permitir que pais ajudem os filhos a se livrar do vício. Já Carmen Gilson, mãe de Ricardo Gilson, morto em 4 de abril de 1999 dentro de manicômio judiciário, diz que nem a dor da perda a faz concordar com a quebra de confiança entre pais e filhos. “Prevenção é amor, diálogo, atenção. Um exame desses seria coação”, diz Carmen.

ESPECIALISTAS CONDENAM USO DO VÍDEO NORTE-AMERICANO

Para Maria Theresa Aquino, psiquiatra do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas, da UERJ, o uso de vídeo é “um horror”. A especialista vê o fato como amostra de que a prevenção de drogas no Brasil é “terra de ninguém”. “O primeiro que chegar e se estabelecer toma conta. A prevenção não tem dono, usam cartilhas equivocadas em vez de estabelecer união entre escola, pais e igreja. O antidoping nos filhos quebra para sempre o vínculo de confiança, o pacto com os pais”, opina a psiquiatra.

“E o que provaria o exame? O jovem pode estar em ambiente onde todos fumam, os pais fazem o teste e dá positivo. Ele vai responder pelo que não fez? Quem vai acreditar nele?”, lamenta Maria Theresa.

Coordenadora do Instituto Carioca de Criminologia, a antropóloga Vera Malaguti Batista também lamenta o uso do vídeo. “É a policização da relação entre pais e filhos. O pai passa a ser delegado, promotor, juiz, em vez de pai”, diz Vera. “Isso tem a ver com a geopolítica que os EUA querem impor para prevenção de uso de drogas.” Para a capitã Tânia Loos, coordenadora do Proerd no Rio, o modelo de educação preventiva inclui confiança total.