domingo, 18 de março de 2012

3ª CIA SENTIDO! LOCOMOTIVA 36 MIL

Quantas vezes o cheiro de um bolo quentinho já nos levou imediatamente à casa de nossas mães ou avós? Quantas de nós já saborearam a sensação de voltar no tempo ao sentir o cheiro de chuva na terra ou de um simples perfume?
Confesso que o insight que eu precisava para sair da inércia foi a foto postada pela Kátia Camassari no Facebook (na era digital é assim mesmo... é o poder das Redes Sociais) para iniciar meu exercício de memória.

(Foto do acervo pessoal de Kátia Camassari)

Bom lembrar que Memória não se refere aos aspectos psicológicos ou neurológicos, não pretendo abordar questões acerca da construção da memória. Meu interesse é retratar e refletir sobre a importância da memória coletiva ou memória social, que é o conjunto de lembranças e referências culturais comum a um determinado grupo, aqui, especificamente, a Turma Maria Quitéria, policiais militares femininas pioneiras da PMERJ.
É possível que, sendo a memória seletiva, algumas colegas tenham visões diferentes e distintas sobre os fatos, porém, continuarei o percurso, posto que nossas recordações, individuais ou coletivas, são, certamente, a expressão de nosso lugar no mundo.
Somos sim parte da História da gloriosa PMERJ e, como pioneiras, dela temos orgulho. Almejamos que nossas lembranças, nossas recordações sejam, de verdade, o marco histórico dos últimos trinta anos na formação da identidade coletiva da mulher nas Forças Policiais Militares.
Fechei os olhos e deixei fluir minha volta ao passado. Como num trem que parte da gari, a viagem foi lentamente iniciada. Algumas paradas nas estações do tempo me trouxeram alguns nomes que precisam ser lembrados com carinho: Ana Fausto, Lourdes, Isabel e Marília. Não estão mais entre nós, mas estiveram lá, jamais serão esquecidas.
Outros nomes não podem deixar de figurar, pois elas também estiveram conosco: Lenawaine, Mara, Inah, Iná Dias, Ana Cláudia, Luzia, Maristela Ribeiro, Fátima Coimbra, Adalgiza, Glória, Maria Helena, Juciara, Ilma, Elenice, Elirdes, Auxiliadora, Valéria (salva vidas de aquário, carinhosamente), Zilda ... seguiram outros caminhos, mas deixaram suas marcas.
Por alguns instantes o exercício me deixou paralisada nas estações, mas era preciso retomá-lo e o apito do trem lembrava que era hora de prosseguir viagem.
Outros acontecimentos, novos cheiros, novos bolinhos iam e vinham, oscilando entre o que é meu e o que é nosso.
Uma trajetória de 30 anos concita a mente a trazer recortes inesquecíveis como o olhar vibrante-assustado da Regina (Chefe de Turma do 3º PEL), a promoção da CB Mara e o orgulho de ter uma de nós como representante na EsFO a SD Célia - ela mais uma vez foi pioneira, hoje Coronel Célia – Comandante do 39º BPM, quanto orgulho nos inspira!
Impossível não recordar minha mãe, que não cabia em si de tanta alegria, colocando em meu uniforme a plaqueta de identificação com meu RG. Nossa! A plaqueta com o contorno do GRP (Guarda Real de Polícia) é relíquia, peça para o Museu. Aliás, já fazemos parte do acervo e nenhum outro sítio histórico recusaria peça rara, rica em ética e estética.

(Foto do arquivo pessoal de Tania Loos)

Mais uma vez o apito soou... Hora de avançar (retroceder) na trajetória proposta.
Algumas personagens da história serão sempre inesquecíveis. Corridão com o SGT Carneiro, Taekwondo do Mestre Lee (confesso que me dediquei menos do que deveria ao TKD), as aulas no stand com o SGT Gouveia e a famosa Ordem Unida do SGT Salaciê – acredito que, como eu, muitas não gostavam de ficar rodopiando na avenida da 3ª CIA atendendo ao comando de esquerda, direita, meia volta volver. É certo que na época me perguntava “como aquilo poderia ser útil à sociedade?”. A resposta ocorreu apenas com o tempo, pois o SGT Salaciê nos ensinou com a firmeza necessária o que é espírito de corpo, trabalho em equipe, a soma de esforços de um grupo de mulheres vitoriosas.
Um dos integrantes desse time merece destaque e homenagem especial ao estilo de campeão de Copa do Mundo. Matava no peito, para tudo e para todas igualmente ele tinha a solução. Não temia nossos momentos mais femininos e com seriedade cuidava de tudo. Jamais vi o SGT Íris perder a paciência, sua sabedoria nos ensinou a viver e conviver em harmonia com o novo modelo que a PM nos apresentava: o militarismo sem perder de vista que somos mulheres guerreiras. O Íris deveria ser incluído no livro dos recordes, pois, embora muitos homens afirmem a dificuldade de lidar mensalmente com uma mulher na TPM, ele enfrentou 153.
O piui do trem me leva e no zig zag das curvas do tempo lembranças inconfundíveis são retomadas.
Lembranças de uma quarta feira (meio expediente) quando fui abrir um crediário para uma compra, no mínimo, inusitada para a ocasião. Comprei meu primeiro cavaquinho, um violão para Iná Dias e um Sax para Ana Cláudia. A loja, em Cascadura, parecia um parque, foi uma tarde de diversão, sobressaindo a Ana Cláudia com medo de ficar bicuda. Não sei se ela aprendeu a tocar sax, só sei que Iná um dia emprestou o violão a um amigo que não devolveu mais o instrumento e eu... ah! Eu nunca aprendi, fiquei com meu primeiro e único cavaquinho guardado por muito tempo em cima do armário.
Até hoje não sei se a Mara, depois de passar pela pista de ODIT – Organização de Defesa Interna e Territorial, teve uma congestão, insolação ou se como diria a velha cultura “estava armando”, só sei que nada como uma boa dipirona intramuscular para fazer qualquer uma de nós segurar o corpito na falsa baiana.
A Cia parecia estar envolvida por um manto protetor, tudo era diferente, tudo e todos seguiam corretamente os parâmetros traçados para a formação da primeira turma de policiais militares (FEM). Não existia comunicação entre recrutas da 3ª Cia e as demais. É claro que a separação não deve ser entendida como segregação ou privilégio, pois perpassa essas questões. O que existia era excesso de zelo, afinal era a primeira vez que a PM recebia a mulher em seus quadros como militar, era a primeira vez que o toque feminino invadia o CFAP e isso nos permitiu ter em nosso meio duas pessoas muito especiais - Dona Edith e Dona Jussara. Muitas vezes elas ouviram nossas angústias, vibraram com nossas conquistas e foram parceiras. Hoje, podemos gritar alto e com raça: Bendita és tu ó redoma que nos fez assim!
Uma paradinha no velho casarão com 153 mulheres enfurecidas com a surpresinha que nos foi feita (bomba de gás lacrimogêneo) só com chá de erva doce ou camomila, que o digam os Comandantes dos Pelotões.
Gonzaguinha estourava nas rádios e algumas de nós compartilhávamos o sucesso dele na casa da Ana Mery, em Bento Ribeiro, cantando “Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”
E o artista deixou de legado mais uma canção que permeia minha história e sei que pode ser compartilhada com todas, não apenas 36 mil “começaria tudo outra vez, se preciso fosse...”
De novo retomo a viagem no trem das pioneiras e pergunto: quem de nós poderia esquecer algumas expressões ainda tão arraigadas?
Do CAP Siston – Subcomandante da 3ª CIA e Comandante do 1º Pelotão: O sorriso escapou várias vezes antes mesmo que pudesse decidir.
Do TEN Egberto – Comandante do 2º Pelotão: “ô militar, ô militar”.
Do TEN Antunes – Comandante do 3º Pelotão: “Chefe de turma, 3º Pelotão em forma!”
Dois outros nomes surgem para integrar o rol dos inesquecíveis: TEN Horsae e TEN Roberto Almeida, também fazem parte da História.
A cena é ímpar e, certamente, inesquecível: intervalo após o almoço, hora de descansar, descontrair e desacelerar um pouco. Desacelerar, descontrair? Margarida e Aracélia não perderam tempo, com uma vassoura e uma toalha Margarida se tornou a porta-bandeira naquele desfile que tinha como público uma turma de mulheres em formação e aluno é sempre aluno, em qualquer idade, qualquer espaço. Aracélia vestiu a camisa de Mestre-Sala e a bateria de palmas ao fundo dava o ritmo. O desfile estava impecável quando ele nos surpreendeu! Sua voz firme e serena, seu olhar de espanto aliado à indignação acerca do que estava ali ocorrendo soltou a expressão mais contundente que nossas alminhas descontraídas e felizes poderiam ouvir: Não foi isso que eu ensinei!!! Mas, valeu; e, como valeu CAP Pacheco, nós aprendemos direitinho e hoje agradecemos todos os seus ensinamentos.
Depois dessa parada na estação “PACHECÃO”, só resta retornar ao ponto de partida, ou seja, o momento presente e agradecer ao Ilmo Sr. Comandante Geral CEL PM Erir Ribeiro Costa Filho e seu staff pela demonstração de carinho, respeito e compromisso com a força de trabalho feminino nos quadros da PMERJ.
Alguns fatos, coisas e, sobretudo, pessoas estarão para sempre gravados em nossos corações e em nossas memórias.

Ano 30 da Turma Maria Quitéria.
Rio de Janeiro, 17 de março de 2012.

Tania Loos