3 LETRAS E UMA QUESTÃO
DE GÊNERO
Já fui chamada de louca, guerrilheira, porém prefiro dizer
que não sou assim, sou tão somente firme nos meus propósitos, exigente no
cumprimento de direitos e deveres e uma guerreira-sonhadora.
Assim, num dos meus delírios ideológicos, insone, resolvi
contar um fato que havia se perdido no tempo e me foi trazido à memória por
minha amiga Marta, em 17 de março de 2012 – quando saíamos do evento em
comemoração aos 30 anos da Turma Maria Quitéria (pioneiras na Força Policial do
Rio de Janeiro).
Gente! Como uma sigla, apenas três letrinhas, tinha o poder de
alterar o curso de uma história?
Pois é, apenas três letrinhas, no ano de 1983, impediram que
nós mulheres realizássemos as provas para o concurso que estávamos inscritas –
o CFC/QPMP-6. Isso mesmo! Fomos impedidas, cerceadas do direito de fazer as
provas para o Curso de Formação de Cabos do Quadro de Saúde por sermos Soldados
Policiais Militares FEM.
Éramos umas dez, com formação específica, capacitadas
tecnicamente para o exercício das funções, inscritas para o certame, mas éramos
FEM e, de acordo com as informações
que nos passaram trinta minutos antes de a prova ser iniciada, o concurso se
destinava aos soldados Policiais Militares (o edital também não fazia
referência ao detalhe de gênero – nele não se inseria nenhuma observação que
especificasse o gênero masculino, não havia letrinhas discriminatórias).
Dizem que contra a força não há argumentos, mas também é
certo que o Direito não ampara aos que dormem.
Inaceitável... 3 letrinhas não poderiam ter a força de nos
barrar e modificar a história que ainda escreveríamos!
Como olharíamos para a sociedade carioca? Com a cara de quem
se acomodou ante um ato institucional “não pensado” e permeado pelo discurso
hegemônico da distinção de gênero?
Claro que não!!!
Tentamos juntas, de todas as formas possíveis, reverter ali
mesmo a situação, mas não conseguimos êxito na empreitada, apesar de os Oficiais
responsáveis pela aplicação das provas mostrarem-se simpáticos aos nossos
argumentos. Era sabido: ordem dada é ordem cumprida, não havia chance de
mudança naquele momento tenso.
Saí do CFAP direto para o QG e apresentei ao Diretor da DEI
toda nossa indignação fundamentando minhas razões e pleiteando a tão sonhada
igualdade, contudo sem perder de vista os princípios da hierarquia e
disciplina.
Minha voz encontrou eco e no mesmo dia as provas realizadas
pelos homens foram anuladas, o concurso adiado aguardando nova publicação em
BOL PM. Pela primeira vez, na PMERJ, uma mulher iniciava, mesmo sem plena
consciência da importância futura para o quadro feminino, um movimento de
igualdade, de valorização da força do trabalho feminino na Instituição. Mais tarde,
esse fato serviria de parâmetro para novas demandas.
Inaugurou-se nesse dia uma nova cultura na Caserna e eu no
meu mergulho interior sinto-me, hoje, mais forte para continuar contando
histórias!
Tania Loos
Em, 27ABR2012
Em, 27ABR2012