quinta-feira, 11 de outubro de 2018

TODA MULHER GOSTA DE ROSAS...




1982 a Turma Maria Quitéria estava pronta para atuar na PMERJ, com uma missão para além do policiamento ostensivo. Em breve estaríamos nas prateleiras de lojas de souvenir para o encantamento da sociedade carioca. Éramos mulheres pioneiras e tínhamos na nossa feminilidade a “obrigação” de mudar a imagem de uma Instituição essencialmente masculina, com elevada percepção de uma Corporação “opressora”, “força bruta”, braço do Regime que vigorava a época. Então, colocam-se nas ruas do Rio, nos pontos turísticos, pontos de grande visibilidade a delicadeza, a sensibilidade, a educação mais refinada, a representação da Mãe para amenizar os gritos sombrios de uma fase complexa e fortemente representativa do combate.
            Lembro-me, como se fosse hoje, do dia da distribuição para as Unidades que nos receberia. Não sabíamos dos critérios para essa distribuição, mas aos poucos os caminhos traçados foram se iluminando, as coisas tomando forma e se posicionando aos nossos olhos.
            Fui designada para o 13º Batalhão de Polícia Militar (BPM). Comigo estavam Janice, Saádia, Auxiliadora, Joana, Adalgiza, Maristela, Irani, Sônia , Sheila e Zilda.
            Hora da partida... olhamos o 2º BPM com a dor de quem deixa os pais para trás (Pacheco, Egberto, Antunes, Siston). Um micro bem antigo, parecido com as extintas lotações, nos esperava, enquanto chorávamos abraçadas. Não queríamos ir, pois sabíamos mais ou menos o que nos esperava... o temor daquela Praça Tiradentes nos abalava, o cenário de prostituição e pederastia nos inquietava.
            Entramos no micro em prantos, o Oficial que nos acompanhava, naquele momento, não sabia mais o que falar, o que fazer para nos tirar daquele estado de comoção.
            Aos poucos o choro foi cedendo lugar a um silêncio assustador, seguíamos o trajeto Botafogo – Praça Tiradentes como se estivéssemos nos dirigindo a um enterro. O enterro dos nossos sonhos, quem poderia saber!?
            Enfim chegamos ao famoso Treze. Fomos apresentadas ao Comandante CEL PM Back pelo MAJ PM Sardinha que já se mostrava cansado de “aturar” tanta choradeira!
            Após a apresentação formal ao CMT da Unidade e seu staff, o MAJ Sardinha nos apresentou as instalações da OPM e, por fim, nos encaminhou ao nosso alojamento.
            Não foi por acaso que ele deixou para o final! Naquele instante, que nos pareceu um instante mágico, sorrisos desenharam novos contornos em nossos rostos. Rosas vermelhas tomavam todo espaço, perfumando ao ambiente e nos dando boas-vindas, com a sensibilidade daquele Oficial (MAJ Sardinha) que de pronto recebeu nosso abraço coletivo e conquistou o título de nosso “Anjo da Guarda”.
            O 13º BPM foi minha segunda casa por alguns anos, ali fiz muitos amigos, aprendi a ser policial preservando minha essência feminina, apesar de ter que lidar com situações degradantes para outras tantas mulheres que faziam da Praça Tiradentes também o seu lugar de “trabalho”. Ali na Praça aprendi conceitos e rompi velhos preconceitos.
            Experimentei grandes momentos de aprendizado, alegrias compartilhadas como o casamento da Zilda (minha filha foi a Daminha) e o casamento do CAP Xavier. E em tudo isso a presença marcante do nosso grande líder e amigo Sardinha!
            Hoje, depois de 36 anos, deixo que minhas memórias do 13º BPM aflorem, talvez por não ter criado a oportunidade de falar dessas vivências e como elas me emocionam, da magia transformadora que aquelas dez meninas experimentaram quando a porta do alojamento se abriu e fica assim minha homenagem, in memoriam, ao Oficial, amigo pessoal e grande profissional Sr CEL PM SARDINHA.
            Toda mulher gosta de rosas!!!



Obs.: Nas minhas pequenas falhas de memória recorri e agora agradeço:
Saádia Bastos Targiano
Margarida Cruz

sábado, 22 de setembro de 2018

QUANDO UM SIMPLES TOQUE DERRUBA TODO RESPEITO E ADMIRAÇÃO



Os anos 2000 foram expressivos para a expansão do PROERD em território nacional. A Coordenação de um Curso de Formação de Instrutores, no estado de Sergipe, me foi confiada, embarcaria para Aracaju num sábado pela manhã para os ajustes finais e dar início ao Curso na segunda-feira.
Malas prontas, material revisado e equipe de Mentores preparada.
Mas... minha bebê adoeceu e foi internada às pressas, naquela tarde de sexta-feira, com diagnóstico de derrame pleural. Recebi a notícia e, imediatamente, fui procurar meu Comandante Geral para comunicar meu impedimento de viajar e que a coordenação do curso (ao menos na primeira semana) ficaria sob a responsabilidade da SUBTEN Master.
Meu telefone era, ainda, o único elo entre minha responsabilidade profissional e a preocupação com o estado de saúde de minha filhinha. Avisei que qualquer procedimento mais invasivo só poderia ser feito após minha chegada ao Hospital (antigo Serv Baby).
Tudo isso já próximo do final do expediente, eram mais ou menos 16:30h quando fui até o Gabinete do Sr. Comandante Geral e informei ao Ajudante de Ordens minha urgência de contato com nosso 01. Fiquei ali esperando, torcendo e retorcendo os dedos, visivelmente preocupada/angustiada; o Comandante estava em reunião na sala do EMG com oficiais do seu staff.
Permaneci naquela antessala até mais ou menos 21:00h revezando o cafezinho e um cigarro até que já estava pronta para jogar a toalha para correr para o hospital e saber o que realmente estava acontecendo com minha filha.
Minutos depois vi quando o CMT GERAL saiu da sala de reunião acompanhado por uma fila de oficiais superiores. Ele passou por mim e, como sempre, acenou com a cabeça respondendo minha continência. Eu estava estática, mas despertei e segurei no braço do Sr CEL PM “S” e pedi que ele me ajudasse, pois eu precisava falar com urgência com o Comandante já que não embarcaria, conforme a publicação em BOL PM, para Aracaju no dia seguinte.
O referido oficial não me deu resposta apenas me olhou... um olhar de desprezo, daqueles que nos deixam desconcertadas e com aquela sensação de “menos-valia”.
Todos aqueles oficiais entraram no Gabinete do Comandante Geral e eu permaneci na antessala, provavelmente com cara de idiota esperando que o “S” informaria ao Comandante sobre meu pedido e eu seria chamada para fazer a coisa certa, mesmo que em detrimento das horas de espera dos médicos para prestarem o devido socorro a minha filha (a criança precisava drenar o pequeno pulmãozinho).
O Ajudante de Ordens se sensibilizou e me mandou embora (já por volta de 22:30h), me acalmando e assumindo o compromisso de informar todos os fatos ao Comandante Geral.
Fui correndo para o Hospital e tomando ciência do quadro clínico da minha menina autorizei a realização de todos os procedimentos necessários, sabendo que as primeiras 48 horas eram decisivas para reverter o quadro.
...
Na segunda feira pela manhã recebi (via tel) um “plano de chamada”, deveria me apresentar imediatamente ao Sr CEL “S”. Acredito que ainda estava usando a máscara de idiota e sem entender “por..” nenhuma pedi que a amiga Sheila ficasse com Isabelle no Hospital enquanto o Nunes me levava para o QG para cumprimento da ordem.
Cheguei por volta de 11h e levei um “chá de cadeira” até mais ou menos 17h (hoje eu entendo bem o que é abuso de poder na Corporação), quando fui “convidada” a entrar na sala daquele Diretor para o grandioso confronto do olho no olho!
Era a “hora do pato” que foi presenciada e testemunhada pelo sensato MAJ (à época) “D”.
Nossa! É impossível esquecer! Aquele CEL começou me perguntando em tom agressivo e histérico: “Onde foi que você aprendeu que pode segurar o braço de um oficial superior e o inquerir na ala do QG quando em deslocamento com o CMT GERAL?” e seguiu gritando, dizendo que uma viagem não poderia me deixar tão inquieta e “abusada” e seguiu... falou... falou... falou... sempre em tom áspero (penso que ele nem respirava pelo simples prazer de me mostrar seu poderio de palavras impregnadas de vaidades).
Confesso que ante os questionamentos troquei de máscara, dei a de “idiota” para o CEL grosso e mal educado e comecei a usar a máscara do clown enquanto o mesmo destilava seu ódio, seu veneno, seu ridículo senso de autoridade e “dono do poder”.
Ouvi todos os impropérios em silêncio, as lágrimas começaram a rolar em meu rosto e junto delas rolava abaixo todo respeito, admiração e afeto que eu sentia por aquele CEL “S”.
O então MAJ “D” assistia àquela cena grotesca sem poder fazer qualquer intervenção, mantinha-se em silêncio, às vezes seu olhar cruzava o meu e eu podia sentir que ele reprovava aquela conduta vinda de um oficial da nossa gloriosa PMERJ. Seu olhar cabisbaixo demonstrava sua oposição ao tratamento vergonhoso que aquele CEL estava me dispensando.
Sem poder responder, pois aprendi que o subordinado ouve sem questionar a ignorância de seu superior (hoje sei o que é assédio moral), eu apenas chorava, mas sem perder a pose de militar resignada porque aquele mesmo CEL havia me ensinado que eu explicaria os motivos que me levaram a segurar seu braço e fazer um pedido de prioridade, mas não justificaria. Assim é o que se diz na Caserna: “Explica, mas não justifica.”!
Quando o Id, com seu ego inflado, terminou seu show e, finalmente, se calou perguntei se poderia falar e o mesmo autorizou.
Tirei então a máscara do Clown e com a máscara de mãe em desespero e militar ajustada aos preceitos da hierarquia e disciplina o massacrei com palavras firmes permeadas pelo choro já convulsivante. Comecei afirmando que o mesmo estava certo, que em momento algum da minha formação me foi ensinado que poderia sentir afeto, consideração e admiração por um oficial superior ao ponto de me sentir à vontade para segurar-lhe o braço para pedir um espaço de prioridade por uma causa mais que justa - a de uma mãe desesperada com o quadro clínico grave apresentado por uma criança de apenas um aninho. Entre lágrimas de dor e de ódio fui pontuando os reais motivos que me levaram a segurar seu braço e quase implorar sua ajuda. Sim pedir ajuda a um oficial que havia aprendido a respeitar e admirar porque o enxergava como um grande “Amigo” (hoje sei o quanto é difícil poder considerar qualquer um como amigo).
Já em prantos e para não perder o equilíbrio encerrei meu “discurso” pedindo permissão para me retirar porque precisava voltar ao hospital para cuidar de minha filha.
Permissão concedida esqueci que era oficial prestei continência, “colei os cascos” e dei meia volta, saí deixando para trás aquele oficial com sua cara de “bun..” e nunca mais o vi com a devida distinção que antes merecia.
De minha boca o Sr Comandante Geral nunca soube desse episódio misógino, deprimente e covarde! Anos depois, já fazendo o CAO, o CEL “D” lembrou-se desse dia e me demonstrou sua sensibilidade e caráter avesso ao ato preconceituoso e vaidoso desse Sr CEL “S”.
Creio que os três oficiais dentro daquela sala aprenderam algumas lições para a vida, ultrapassando os muros do QG e guardando, cada um a seu modo, esse dia em suas memórias para reescrever em seus Livros de Memórias.

Tania Loos
Em, 22 de setembro de 2018.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

O PODER E A FAIXA DE VINIL



O PODER E A FAIXA DE VINIL


Transcrever uma passagem reservada em minha memória, trazendo o que é individual para o coletivo, não é tarefa fácil, pois preciso manter a serenidade para não transformar a história de um fato em mero desabafo. Mas essa é uma das minhas possibilidades de revelar a íntima relação entre o Poder e o sonho quase interrompido de transformar a realidade de muitas crianças em situação de vulnerabilidade. Minhas recordações de vivência na Caserna sempre retomam o quanto uma simples faixa de boas-vindas, confeccionada em lona de vinil, pode mexer com diferentes comportamentos e atitudes. Da alegria de um grupo por ter conseguido confeccionar um símbolo de acolhimento; da vaidade e arrogância de um homem que deveria ser um líder, mas que demonstrou ser o detentor de “autoridade”; e, a força e honra de um outro homem, líder nato, que ao assumir responsabilidade com dignidade salvou os “oprimidos” das garras de um Comandante sem o menor senso de alteridade e empatia. Um Comandante recluso na mística de formação de Guerra, jamais aceitaria a proposta de uma capacitação para atuação preventiva, pedagogicamente o marco diferencial do modelo de polícia vigente.
Creio que era o I Curso de Formação de Instrutores do Programa Educacional de Resistência às Drogas e Violência (PROERD) após sua reedição. O ano 2000 e o CFAP – 1ª CIA o cenário.
O Curso acontecia para atender demanda de reestruturação do PROERD, após sua interrupção por cinco anos. Tudo era difícil, o filho ainda era feio e quase nenhum apoio recebia. A faixa de vinil com a marca do PROERD e o símbolo da GRP expressavam as boas vindas aos novos Instrutores. A faixa foi doada pelo CEL REF Almeida, homem de fibra, que vislumbrava que nossos ideais superavam todos os óbices. Hoje posso agradecê-lo in memoriam!
As instalações do CFAP não eram adequadas ao processo de formação do Programa, mas era o que se tinha. Não que nosso modelo pedagógico fosse melhor, mas o acolhimento dos futuros Instrutores requeria nossa especial atenção, pois durante o período de curso trabalharíamos com a afetividade, aquela afetividade proposta por Wallon. O aprendizado significativo somado à acolhida estruturada ditaria o tom daquela capacitação. Era lapidar o bruto para se obter a beleza da joia rara.
E mãos à obra! Arranjamos uma escada e começamos a esticar a faixa, que seria amarrada com barbante ao madeiramento do teto da sala de aula (nenhum dano seria causado), a faixa ficaria fixada na lateral da sala de aula que serviria de sala principal (a que reúne o grande grupo em uma formação no modelo PROERD de mentoria), quatro outras salas deveriam ser usadas para a composição das cinco equipes de trabalho.
A faixa, antes mesmo de fixada temporariamente, já nos passava a sensação de alegria e aquele recomeço faria justiça aos desdobramentos de uma Resolução impensada de 1995, que extinguira o PROERD, na PMERJ.
Feita a primeira amarração, movia a escada para o lado oposto quando um grito assustador paralisou a mim e toda minha equipe: “com ordem de quem vocês estão colocando isso aí? E, continuou gritando: “eu não autorizei nada, tirem isso agora!... sou o comandante e não estou sabendo desse negócio aí!...”
Fiquei estática, a voz sufocada, meu olhar vago só conseguia perceber o Oficial CMT batendo freneticamente com uma varinha na mão (não posso afirmar que seria um Bastão de Comando, pois o mesmo é prerrogativa de Oficial General), mas era algo parecido carregado da simbologia de Poder, de Autoridade. Enquanto gritava e batia na mão sua sede de Poder era patética, minha sensação de impotência também patética. Questionava em minha mente o que estariam sentindo os Mentores, como um Comandante pode demonstrar “força” contra quem só queria um espaço para cumprir ordens de alguém superior ao mesmo?
A equipe cabisbaixa, eu estagnada, entrando quase que num estado de catatonia ante tamanha agressão. A medição do Poder e da Autoridade contra a fragilidade daqueles que lutavam aguerridamente por um ideal me parecia contraditório.
Ainda presa ao conflito instado, ouvi quando o nosso “Salvador” fez a intervenção: “EU autorizei Comandante!”, era a voz assertiva daquele que se revelou digno de toda nossa reverência, respeito e admiração. Matou no peito, nos devolveu a vontade de continuar a missão! O então CAP Luciano Souza honrou a farda, honrou seu compromisso de CMT daquela 1ª CIA e assumiu toda responsabilidade pela colocação temporária de uma faixa de vinil que carreava a significação de uma acolhida motivadora para tantos outros policiais que ali chegariam para aprender e apreender novos saberes direcionados ao trato com crianças. Não lhes caberia mais uma prática permeada pela mística truculenta que ainda vigorava apesar de estarmos experenciando uma nova Era ditada na PMERJ, alinhada com modernas estratégias de policiamento preventivo.
Nossa! Quanta diferença, quanta honra, dignidade, solidariedade, visão de futuro cabia no coração de Luciano Souza, Oficial que até hoje chamo de “O Nosso Salvador”!
Nossa faixa, tão simples, foi finalmente esticada, os alunos chegados sentiram-se acolhidos e o Curso foi concluído com êxito, apesar de tantos pontos de desequilíbrio, decorrentes de intervenções maldosas. Talvez aí esteja a diferença entre formações do tempo do “vamos fazer acontecer” (mesmo sem recursos financeiros e enfrentando as resistências) para as que são realizadas com aportes oriundos de certas “parcerias”.
Acredito que foi esse dia e a atitude do então CAP Luciano Souza que me impulsionaram ao primeiro passo em direção a conquista de um espaço para o PROERD, onde na Ordem do Dia seria sempre valorizado o compromisso com a Ética, a Educação, a Autoridade com Afetividade e Assertividade.
Aprendi com o Oficial Comandante que não somos, apenas estamos no exercício de uma função de Comando e que o Poder não pode ser travestido de vaidade, agressividade e estupidez!
E as coisas que circulam minha mente dão uma paradinha trazendo à baila a célebre frase: “Profissionais não se improvisam e o mando deve caber ao mais digno”.
LOOS, T.

ENTRE O VULCABRAS E O SCARPIN - UMA DECISÃO PIONEIRA



PMERJ: 209 ANOS “SERVINDO E PROTEGENDO”

Hoje, 13 de maio de 2018, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) comemora 209 anos “Servindo e Protegendo”. Presto minha continência e manifesto meu amor por ela.
Apesar de nossa Sociedade parecer nos ignorar, vale resgatar momentos incríveis de mulheres pioneiras que há 36 anos sentem orgulho de feitos que circulam minha mente e que tenho a honra de compartilhar como uma maneira de homenagear essa Instituição que me ensinou a ser crítica, não aceitar com facilidade proposições de uma cultura até então pautada na vivência masculina.   

ENTRE O VULCABRAS E O SCARPIN: UMA DECISÃO PIONEIRA
Sapatos o que me trazem à memória? Jovens mulheres que, enfrentando o pioneirismo de uma área antes explorada apenas por homens, buscavam o espaço, conquistavam aos poucos a mudança da cultura masculina e que desejavam cumprir a missão sem perder de vista a essência do “ser mulher”.
O orgulho de ser pioneira brotava e explodia em cada uma com a proximidade do nosso primeiro Desfile Militar de 7 de setembro. Nossa farda rendeu muitas visitas do alfaiate, tira medidas, experimenta, recorta, aumenta e tudo isso supervisionado por duas madrinhas – Dona Jussara e Dona Edite.
Já às vésperas do desfile chegaram os sapatos. Entramos em forma, cada Pelotão com seus Comandantes e fomos direcionadas ao almoxarifado e a cada entrega os Pelotões se desfaziam e assim surgia um burburinho, olhares de decepção, uma mistura de sentimentos que só fazia aumentar o barulho... Era o momento de não sufocar nossas vozes, precisávamos demonstrar que o sapato não agradava, não combinava com nossa expectativa de glamour, de elegância. A falta de tato com as chamadas “coisas de mulher” fizeram nossos Mestres comprarem o horroroso VULCABRAS, com cadarço e sem um pingo de bom gosto!
O burburinho aumentando a cada entrega, nossos Comandantes argumentavam, diziam da importância do conforto e a segurança de ser um sapato amarrado. Mas nada nos convencia, o layout da farda ficaria com um tom muito masculinizado e não queríamos assim. Nossa opção era o clássico scarpin.
Precisávamos decidir com urgência tendo em vista a proximidade da data do Desfile! Óh  dúvida cruel... Ficamos entre o Vulcabrás com cadarço e o clássico Scarpin!



                                                                                                 
Apesar de todas as orientações, fizemos até pirraça, mas é claro que escolhemos o Scarpin.
E lá fomos nós! Saímos do CFAP ainda na madrugada e às 05:00h já estávamos no local de concentração da tropa, entrada em forma na posição de Desfile e a longa espera.
Em pouco tempo começamos a sentir as consequências de nossa escolha! Mas a garra mantida, afinal era nossa primeira apresentação em público. A responsabilidade de fazer acontecer e fazer bonito nos dava força!
Desfile iniciado, hora de fazer valer tudo que tínhamos aprendido com nossos Mestres. Em cada coração o firme propósito de marcar para sempre aquele momento e o bumbo anunciava que era chegada a hora de acertar o passo.
Logo no início começamos a sentir o peso da decisão: sapatos que saiam do pé e voavam, colegas pegavam e os entregavam as suas donas, retomadas várias vezes ao lugar na formação por conta do “scarpin” que massacrava, que apertava, que engolia nossos pés e maltratava nossos sonhos. Parecia o caos, mas a luta seguia em frente e não nos faltou determinação.
Memória ímpar, pois que tomadas pela emoção de representar nossa Corporação e o pioneirismo da Turma Maria Quitéria, lembro que encontramos nosso jeitinho de acertar o pé no bumbo sem perder os sapatos, ou melhor, sem perder a elegância.
Passamos com garbo e do Palanque as autoridades aplaudiram, o público nos saudando com sorrisos, curiosidade e alegria contagiante. E nós éramos pura emoção!
Fomos com tudo! Mulheres de fibra, pioneiras, guerreiras! O toque feminino que iluminava aquele Desfile.


Terminado o desfile, poucos souberam ou testemunharam o que um scarpin pode fazer. Do glamour, elegância de um clássico, nos restou pés que sangravam, bolhas imensas e a dor suportável de quem cumprira a missão com mérito!
Em 2012, a PMERJ comemorou os 30 anos da presença feminina em seus quadros, nos homenageando com a forte imagem de um Desfile Militar que ficou para sempre na História!

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*      Por: Tania Loos
*      Colaboradoras: Margarete Angel e Marisa Franca



domingo, 1 de abril de 2018

LOCOMOTIVA 36 MIL E A REPÚBLICA DE SAIAS



Silêncio quebrado... A Locomotiva 36 mil ecoou seu apito me trazendo de volta a responsabilidade de transformar lembranças individuais em memória coletiva.
Confesso que esse é o apito que mistura a vibração harmônica da esperança de que a partida é também tempo de reencontros. Hoje reforço a tradição do dizer que “missão dada é missão cumprida”, e, que legado é a herança apenas de quem, sem vaidade ou arrogância, acreditou que eu poderia transformar em lição para o mundo a vivência e convivência em uma “República de Saias”.
Na simplicidade das palavras de uma grande Guerreira fica o registro para a eternidade! Obrigada Inez, por acreditar na seriedade do meu trabalho, no meu compromisso de preservar sua Memória e que juntando-se às Guerreiras 36 mil que partiram antes você esteja na LUZ... não há mais dor, não há mais tristeza e a nós que ainda estamos por aqui resta o amor e a saudade!
Com muita honra e agradecida ao amigo Vagner compartilho essa passagem da Locomotiva 36 mil que, no silêncio desta noite de lua cheia, faz a parada final. Não há concessão, não haverá novos motivos. Que seja assim por respeito e por honra!

A REPÚBLICA DE SAIAS

Durante os sete meses de curso no CFAP comecei a ter uma ideia do que seria a turma trinta e seis mil, pelo jeito de ser de cada uma sabia que esse vínculo nunca seria desfeito, como por exemplo, quando a Rosane Leite era retirada de forma pelo SGT IRIS para que ela me levasse até o BANERJ de Madureira para receber pagamento, em se tratando de ROSANE é claro que do banco me levou para conhecer o cinema de Madureira e me ensinou a dar “carteirada” com a fantasminha.
Ao fim do curso, fui classificada no Segundo Batalhão, e passei a morar no alojamento, era a única vinda de tão longe (Campos dos Goitacazes) e na época não me deixaram ficar no Oitavo Batalhão, pois teria que fazer adaptações, a vida no alojamento era solitária, algumas percebiam e não mediam esforços para me ajudar, como certa vez em que fiz um reflexo no cabelo, ao assumir o serviço na cabine, chegou o SGT e me entregou uma FI, a fim de informar porque mudei as características da minha identificação e que me apresentasse no outro dia pela manhã com o cabelo da identificação, fiquei arrasada, pois estava me sentindo linda. MARIANE me levou pra casa dela e tingiu os meus cabelos, bem como a SOLANGE GARCIA, que me dedicou tanto carinho, às vezes dormindo no
alojamento para que eu não ficasse sozinha ou me levando para sua casa, onde D. CATARINA e Seu LÁZARO me tratavam com muito afeto.
Fui convidada a fazer parte da quitinete alugada por Policiais Femininas do Décimo Nono Batalhão que era usada para troca de roupa, o que pra elas era armário, pra mim era um lar, como só podia comprar uma geladeira e um fogão, elas completaram com televisão e armários, lá confirmei o tal vínculo, dividíamos nossas angústias, tristezas e alegrias de meninas que se colocaram diante de um desafio, enfrentando pessoas que eram contra o ingresso da mulher na PM e torciam para que a experiência desse errado, mas estávamos lá, firmes e fortes, o que interessava era o presente.
A população da Kit foi crescendo, fui transferida para o Décimo Nono Batalhão, pois o meu novo lar ficava na Rua Siqueira Campos, 143 em Copacabana, brincávamos muito, como certa vez em que a ANA FAUSTO me colocou em um vestido justo e um salto alto para irmos ao samba, após me arrumar, ela rolava no chão de tanto rir, bem como quando o meu esposo, na época pretendente, que eu não sabia quem era (ainda não o tinha visto) colocava bilhetes embaixo da porta com solicitação de namoro, que seu nome era VAGNER e que tinha me visto de serviço no Maracanã, ela sempre lia antes de mim e me sacaneava depois. Íamos a praia, bares, samba, a maioria sempre juntas, na hora de colocarmos a farda para entrar em forma era um atropelo na Kit, pois a janela dava para o pátio do quartel e escutávamos a corneta avisando que estávamos atrasadas. Enfim, uma convivência e experiência única, mas dois anos, sabe aquele cara dos bilhetes, pois é estava apaixonada e resolvi que era a hora de seguir meu rumo, formar minha própria família, novamente veio a solidariedade, a CAMASSARY conversou com sua mãe, que estava a fim de se mudar e ela me alugou o apartamento por uma quantia irrisória, me casei e surgiu assim a maior barriga do batalhão, família de sangue que Deus me deu pra cuidar.
A passagem das Guerreiras que já se foram desta vida deixou para nós um legado, aquele que tentávamos passar umas para outras na Kit. Que não deveríamos desistir, que quando reunimos forças, somos vencedoras, ANA FAUSTO morreu lutando quando se atracou com seu assassino, MARÍLIA, mulher de fibra que não se deixou render pela sociedade e fez valer a sua própria escolha, LOURDES que voou como uma borboleta para outro jardim, escrito pela própria no dia da sua partida, IZABEL, que várias vezes presenciei gargalhando contra o seu câncer, contando a aventura de forma alegre do dia em que foi procurar um maiô com enchimento no seio, pois havia retirado o seu e quando ela entrou na igreja para se casar, careca com seu lindo turbante e um largo sorriso no rosto, não era máscara, era atitude de Guerreira, super resolvida, ANA MARIA, que após cumprir sua
missão com serenidade na Corporação se foi enquanto caminhava. Enfim, esta é a nossa herança.
AS COMPONENTES DA REPÚBLICA DE SAIAS: INEZ, ANA FAUSTO, MARGARETH, MAGALY, ALZINETE SANTOS, MARY, MARIANE, PACARÁ, ELÍRDES e LENAWENE.”
(Por Inez, em 2016)
*12/04/1960
+21/02/2018