domingo, 1 de abril de 2018

LOCOMOTIVA 36 MIL E A REPÚBLICA DE SAIAS



Silêncio quebrado... A Locomotiva 36 mil ecoou seu apito me trazendo de volta a responsabilidade de transformar lembranças individuais em memória coletiva.
Confesso que esse é o apito que mistura a vibração harmônica da esperança de que a partida é também tempo de reencontros. Hoje reforço a tradição do dizer que “missão dada é missão cumprida”, e, que legado é a herança apenas de quem, sem vaidade ou arrogância, acreditou que eu poderia transformar em lição para o mundo a vivência e convivência em uma “República de Saias”.
Na simplicidade das palavras de uma grande Guerreira fica o registro para a eternidade! Obrigada Inez, por acreditar na seriedade do meu trabalho, no meu compromisso de preservar sua Memória e que juntando-se às Guerreiras 36 mil que partiram antes você esteja na LUZ... não há mais dor, não há mais tristeza e a nós que ainda estamos por aqui resta o amor e a saudade!
Com muita honra e agradecida ao amigo Vagner compartilho essa passagem da Locomotiva 36 mil que, no silêncio desta noite de lua cheia, faz a parada final. Não há concessão, não haverá novos motivos. Que seja assim por respeito e por honra!

A REPÚBLICA DE SAIAS

Durante os sete meses de curso no CFAP comecei a ter uma ideia do que seria a turma trinta e seis mil, pelo jeito de ser de cada uma sabia que esse vínculo nunca seria desfeito, como por exemplo, quando a Rosane Leite era retirada de forma pelo SGT IRIS para que ela me levasse até o BANERJ de Madureira para receber pagamento, em se tratando de ROSANE é claro que do banco me levou para conhecer o cinema de Madureira e me ensinou a dar “carteirada” com a fantasminha.
Ao fim do curso, fui classificada no Segundo Batalhão, e passei a morar no alojamento, era a única vinda de tão longe (Campos dos Goitacazes) e na época não me deixaram ficar no Oitavo Batalhão, pois teria que fazer adaptações, a vida no alojamento era solitária, algumas percebiam e não mediam esforços para me ajudar, como certa vez em que fiz um reflexo no cabelo, ao assumir o serviço na cabine, chegou o SGT e me entregou uma FI, a fim de informar porque mudei as características da minha identificação e que me apresentasse no outro dia pela manhã com o cabelo da identificação, fiquei arrasada, pois estava me sentindo linda. MARIANE me levou pra casa dela e tingiu os meus cabelos, bem como a SOLANGE GARCIA, que me dedicou tanto carinho, às vezes dormindo no
alojamento para que eu não ficasse sozinha ou me levando para sua casa, onde D. CATARINA e Seu LÁZARO me tratavam com muito afeto.
Fui convidada a fazer parte da quitinete alugada por Policiais Femininas do Décimo Nono Batalhão que era usada para troca de roupa, o que pra elas era armário, pra mim era um lar, como só podia comprar uma geladeira e um fogão, elas completaram com televisão e armários, lá confirmei o tal vínculo, dividíamos nossas angústias, tristezas e alegrias de meninas que se colocaram diante de um desafio, enfrentando pessoas que eram contra o ingresso da mulher na PM e torciam para que a experiência desse errado, mas estávamos lá, firmes e fortes, o que interessava era o presente.
A população da Kit foi crescendo, fui transferida para o Décimo Nono Batalhão, pois o meu novo lar ficava na Rua Siqueira Campos, 143 em Copacabana, brincávamos muito, como certa vez em que a ANA FAUSTO me colocou em um vestido justo e um salto alto para irmos ao samba, após me arrumar, ela rolava no chão de tanto rir, bem como quando o meu esposo, na época pretendente, que eu não sabia quem era (ainda não o tinha visto) colocava bilhetes embaixo da porta com solicitação de namoro, que seu nome era VAGNER e que tinha me visto de serviço no Maracanã, ela sempre lia antes de mim e me sacaneava depois. Íamos a praia, bares, samba, a maioria sempre juntas, na hora de colocarmos a farda para entrar em forma era um atropelo na Kit, pois a janela dava para o pátio do quartel e escutávamos a corneta avisando que estávamos atrasadas. Enfim, uma convivência e experiência única, mas dois anos, sabe aquele cara dos bilhetes, pois é estava apaixonada e resolvi que era a hora de seguir meu rumo, formar minha própria família, novamente veio a solidariedade, a CAMASSARY conversou com sua mãe, que estava a fim de se mudar e ela me alugou o apartamento por uma quantia irrisória, me casei e surgiu assim a maior barriga do batalhão, família de sangue que Deus me deu pra cuidar.
A passagem das Guerreiras que já se foram desta vida deixou para nós um legado, aquele que tentávamos passar umas para outras na Kit. Que não deveríamos desistir, que quando reunimos forças, somos vencedoras, ANA FAUSTO morreu lutando quando se atracou com seu assassino, MARÍLIA, mulher de fibra que não se deixou render pela sociedade e fez valer a sua própria escolha, LOURDES que voou como uma borboleta para outro jardim, escrito pela própria no dia da sua partida, IZABEL, que várias vezes presenciei gargalhando contra o seu câncer, contando a aventura de forma alegre do dia em que foi procurar um maiô com enchimento no seio, pois havia retirado o seu e quando ela entrou na igreja para se casar, careca com seu lindo turbante e um largo sorriso no rosto, não era máscara, era atitude de Guerreira, super resolvida, ANA MARIA, que após cumprir sua
missão com serenidade na Corporação se foi enquanto caminhava. Enfim, esta é a nossa herança.
AS COMPONENTES DA REPÚBLICA DE SAIAS: INEZ, ANA FAUSTO, MARGARETH, MAGALY, ALZINETE SANTOS, MARY, MARIANE, PACARÁ, ELÍRDES e LENAWENE.”
(Por Inez, em 2016)
*12/04/1960
+21/02/2018